

Mous(art)
Quantos ratos estão perdidos na escuridão ? Caíram sem querer em um abismo, aquele que sempre se tromba em algum momento da vida e que é necessário cruzar com cuidado, construindo uma ponte. O rato é apressado, atrapalhado, mas ainda sim considerado muito esperto. Sim, mas quantos não caem na captura de um ser humano com todas as suas tecnologias?
Tem um rato desses atrapalhados que caiu dentro de um piano. A tecnologia humana nesse caso não foi usada intencionalmente, foi apenas um erro. Foi o abismo dele. Ali, enquanto tinha uma brecha pra entrar, ele foi fuçar. Não sabia o que era. Mas fuçou. Mas a vida surpreende e lhe entrega ao breu total quando a tampa do piano acima de sua pequena cabecinha se fecha inesperadamente. Imagine a sensação de não saber onde está e agora estar trancado no escuro, imagine caminhar por cordas e ferragens estranhas, imagine estar em um labirinto sem saída sem enxergar, sem ver.
Ele sabia que se ficasse mais tempo ali, morreria. Já sentia fome, sede e arrependimento. Se sentia burro e nada esperto como dizem por aí sobre os ratos. Era momento de deixar as emoções de lado e começar a procurar por uma sáida. O rato caminhava e roía vários cabos, e botões, e as divisórias de madeira e enquanto o fazia, alguns sons eram proferidos pelo piano. O rato se asustava em como o barulho ecoava e tremia tudo por dentro do piano. Pensava que alguém poderia estar o escutando, e se alguém tivesse a curiosidade de abrir a tampa do piano, ele poderia escapar para fora. Era isso! Ele era um rato esperto!
Realmente tinham pessoas do lado de fora o escutando, mas infelizmente, nem por um segundo elas pensaram em abrir a tampa do piano. O que eles viram foi um piano tocando sozinho! Isso era mágico? Místico? Era um espirito tocando? Eis uma coisa sobre os humanos que aprendemos nessa história: diante de um fato que quebre todas as suas crenças, as pessoas ficam irreconhecíveis. Pouco importa a natureza do som, o que importa é que temos um piano mágico e isso ninguém tem! Óbvio, a cabecinha humana procura por todos as explicações racionais, mas se essas pessoas tivessem acreditado nos seus pensamentos lógicos, o rato estaria a salvo. O universo não ajudou o rato de novo.. Ele não sabia, mas o piano era velho, seu baú era alto, as pessoas da casa não sabiam nada sobre pianos. Ele escutava vozes, e tocava mais, puxando as cordinhas com toda sua força, porém nenhuma resposta externa ele recebia, além de vozes e mais vozes. Cada pessoa que escutava chamava outra pra escutar. Chamou-se irmãos de dentro dos seus quartos, chamou-se tios, primos, chamou-se o cachorro e o gato. Tudo que sabiam era comentar, e se assustarem. O irmão do meio, metido a esperto e inteligente sacou: "tem algo lá dentro!" É uma pena que ratos não entendem humanês... Abriram a tampa, a luz entrou, o rato se sentiu aliviado. Tentou subir ao topo, não tinha forças, pois usara tudo pra tocar. Não tinha forças também porque lá estavam as cabeças de vários humanos olhando, sabia naquela hora que morreria. Ninguém o ajudaria. Ele estava no fundo do poço, do abismo dele. Se perguntava o porquê, não tinha resposta alguma. Nem dentro dele, nem fora. Era uma lição do universo ? Foi porque ele não foi prudente? Não escutou sua intuição? Ele permaneceu, mesmo com a tampa aberta. Mas luzes eram jogadas na sua direção, ele só se escondia por onde dava. Desistiram de pegar o rato. Ele sentiu que era a hora dele morrer. Ele tocou mais piano, não sabia como fazê-lo, mas fazia. Não porque queria chamar atenção, mas porque foi tomado por uma melancolia e um tédio: esperar a morte. Apenas o som inédito daquele piano o consolava. Ele morria pra essa vida não mais como um ratinho nojento, mas como um músico, que prendeu a atenção de muitos humanos por um pequeno espaço de tempo, e isso foi recompensador. Não entendeu na hora, mas esperando a morte teve tempo de pensar: "eles me viram, me ouviram, eu não estou anônimo como aprendi a ser, as pessoas sabem da minha existência e ainda sim eu estou protegido da crueldade humana." Era assim então que se sucedia os pensamentos do pequeno rato, ele se alegrava no meio do seu abismo.
Ele tocava o que podia, até onde aguentava. Roía o sistema do piano por completo, isso o libertava. A canção comia solta enquanto ele se despedia dessa vida em frenesi, dançando e girando, era só o que tinha pra fazer. Sim, ele não era mais apenas um rato, ele pra sempre seria conhecido como o rato que caiu no piano e enganou a todos! Seria conhecido como o rato que uniu a família, que a fez rir criando teorias doidas. Era o rato músico! Isso nenhuma casa tinha. Isso nenhum rato tinha sido. Esse era agora um rato livre. Livre de uma vez por todas da vida medíocre de um rato de esgoto. Livre da dificuldade de viver, até torna-se um com a escuridão e partir para todo o sempre.
0 comments:
Postar um comentário