quinta-feira, 10 de setembro de 2020

setembro 10, 2020 - No comments

Dom e Myra

O dia em que o músico tocou de maneira mais triste foi quando ele viu a pessoa que ele amava sorrindo para outro homem na pista de dança. Embora não parecesse triste aos que o ouviam, em seu coração sabia o que sentia e, como músico, sabia também que não poderia deixar de cantar como havia prometido ao público e à pequena discoteca que havia lhe contratado. Dom disse para si mesmo "irei cantar de maneira feliz, mesmo que meu coração doa, ainda sim poderei vê-la dançar. Talvez assim, ela olhe para mim." 


Dom e Myra eram amigos a pouco tempo. Naquele dia ela tinha se arrumado impecávelmente porque tinha decidido apenas sorrir. Estava com um vestido xadrez rodado que tinha ganhado da vó, um par de sapatos deslumbrantes demais para o vestido simples e os adornos em seus braços estavam exageradamente brilhosos. Dom tinha usado sua melhor roupa, mesmo que ela fosse ainda sim bem surrada. Não havia penteado seu cabelo como de costume, nem limpado suas botas antes de sair de casa. Ambos não eram estilosos, mas eram pessoas muito inspiradas e artísticas por natureza. Myra era poeta sem se reconhecer como uma, falava poemas o tempo todo.

O salão, ah! Estava decorado com uma grande rosa no palco e dava para sentir o cheiro de perfumes misturados, os melhores! Era um desses fins de semana super badalados no qual todos os jovens costumam sair para procurar diversão. 


Myra não esperava que Dom fosse tocar naquele dia. Ela já conhecia algumas músicas suas e tinha o sonho de cantar com ele um dia, mesmo sem a voz bonita, ela era apaixonada por música. Amava ouvir e conhecer de tudo, mas nunca teve talento para nada disso. Quando ele começou a cantar, ela foi embalada pelo som contagiante e dançou livremente pela pista. Esse era um tipo de festa em que as meninas não costumam dançar muito tempo sozinhas, mas Myra, com seu nariz pontudo e seus dentes tortos achava que não era bonita o suficiente para ser cortejada. Dançou por muito tempo sozinha até que avistou um homem igualmente sozinho, olhando para ela com uma certa vergonha. Aquele tipo era o par parfeito que Myra sempre escreveu em suas poesias, o homem alto, de cabelos negros caídos no ombro e um rosto impecável. Não percebeu que Dom também estava olhando para ela enquanto cantava, ele apenas gostaria de estar lá com ela. Como ele poderia tocar e estar com Myra ao mesmo tempo? Cantou com dor. "Meu amor pela música é maior do que a vontade de estar com ela?"

Ele cantava "bye.. bye... miss American Pie...this'll be the day that I die" e todos podiam dançar até morrer.


Dom nunca teve tempo para namorar porque estava em amor sempre com seu violão. Sua paixão era criar, mas nunca havia experimentado o amor... Muito menos ligado para isso. Não entendia como "vivia sem amor" como seus amigos diziam. Mas aquela noite ia mudar tudo. Myra só estava esperando sua hora também, mas nunca chegava. Seus poemas orais eram sempre inspirados pelas ilusões que ela alimentava em seu coração. Dois criadores se encontraram naquele dia e não poderam se tocar, porque simplesmente não sabiam.


Myra dançava mais calorosamente e Dom olhava apenas pra ela. Ele quase mudava a letra da música para "myra myra Miss Myra till the day Myra Die"... de tanto tentar resistir a falar o nome dela, já bebâdo das doses que tomara antes de subir no palco, ele disse.. "Myra, olha pra mim!". A música parou com o susto da mudança repentina de letra e Myra finalmente olhou para ele. Dom pensou em se declarar, mas não sabia como fazer isso. Não sabia se ela gostava desse tipo de coisa. Ela já estava completamente constrangida nesse momento. Todos pararam de dançar e olharam para ela. "Então essa é a guria que cortou nossa dança!". A música tinha 8 minutos!


O poema do momento foi o mais bonito. Tanta coisa passou na mente dos dois. Corações batendo forte, o ritmo das batidas sincronizados, epifania: será que ele gosta de mim? Lembro daquele olhar... Não! São só meus poemas. Eu já estou afim de outro!"


Myra sabia que não tinha ligado pra ele. Porque ela queria aquele homem. Queria que o outro tocasse nela como a música de Dom a tocava. Dom só queria tocá-la ali também e agora se sentia apenas constrangido. Existia um abismo entre os dois, havia paredes de ilusões, semeadas no cimento da resistência e reforçada duas vezes com a lerdeza de ambos. Falta de se conhecer! Eu vi tudo, eu escutei tudo. Dom contou para mim depois do show, quando bebia tranquilo enquando Myra conversava com outro homem. 


Sabe por que esse dia foi tão lindo? Porque olhando fixo nos olhos de Myra, ele cantou... "bye.. bye.. miss American Pie...this'll be the day that the music died". A música voltou aos poucos, porém calma. Myra sorriu para ele, mas desviou o olhar para o outro homem. Ele a chamou para dançar devagarzinho e com pouco tempo de música eles se beijaram. Dom descobriu a essência de sua música... Ele sentiu que poderia controlar o comportamento das pessoas através dela. Ele descobriu que música era magia e que poema também era, porque ela havia feito ele se comportar diferente quando a viu dançar e sorrir, com vestido xadrez da vó. Doeu, mas Dom foi infinitamente livre, pois ele amou ainda mais sua música: ela era capaz de fazer alguém alcançar seus objetivos! A encontrar seu ideal... que não era ele, mas ele tinha alcançado seu ideal também: contagiar as pessoas. Amando a música ele conhecia a magia de amar a si mesmo.

Quando vi que Dom era um homem completo a partir dali, eu pensei que nao poderia mais completá-lo como esperava. Sempre amei Dom, antes mesmo de ele conhecer Myra. Somos amigos a tanto tempo e, eu sabia que ele pensava nela a todo tempo. Doía em mim também, pois aprendi a gostar de seu cabelo bagunçado e de suas músicas espontâneas que ele fazia em momentos aleatórios. Minhas ilusões foram quebradas, diferente deles ali. Foi quando percebi a importância da ilusão, ela dá esperança, dá força e provoca emoções dentro da gente. 


Eu não pude mais amar da mesma forma nesse dia. Eu entendi a verdadeira face do amor. Dom veio até mim e bebeu várias doses me contando essa história. Não sei se desejo mais conquistá-lo, porque a partir do poema Myra, eu entendi que devia me amar primeiro, para um dia, quem sabe... Dom cantar para mim. 


Essa história foi inspirada na musica American Pie, de Don McLean.

https://www.youtube.com/watch?v=iX_TFkut1PM

0 comments:

Postar um comentário