terça-feira, 14 de junho de 2022

junho 14, 2022 - No comments

Saturnália



Na noite de Saturnália, bem no início do inverno, é recomendado que não se saia de casa. As coisas que acontecem do lado de fora são perigosas para qualquer ser humano de coração fraco. Nessa noite, um homem cujo rosto parece irreconhecível pela falta de luz da noite de Lua Negra cavalga pelos cantos das cidades e das florestas, recolhendo almas que vagueiam sem rumo no Vale das Lamentações. Sua horda de caçadores corre em frenesi acompanhados de seus cavalos e cachorros selvagens farejadores de almas e espíritos. Recomenda-se que não se encontre com esse grupo de caçadores, pois corre o grande risco de ser levado com eles. É a noite em que o medo invade o coração dos inocentes. Os sonhos dos que dormem são perturbadores e as vozes da madrugada estão cada vez mais altas. Dize-se que nesse dia Bruxas estão soltas por aí reverenciando esses espíritos malignos, firmando pactos e pedindo a eles que amaldiçoem pessoas inocentes. Ouve-se que até mesmo elas se deitam com esses espíritos e principalmente com o líder deles, o Diabo. 

Nesse noite, um Coven de Bruxas do cerrado caminha pelos caminhos tortuosos de uma floresta para encontrar aqueles que lhes provém poderes. Para aquelas bruxas, essa talvez fosse a noite mais segura para sair, pois apesar do frio e dos perigos do mundo espiritual e físico, estavam em um momento propício para rasgarem as máscaras humanas e andarem em sua verdadeira forma. Um grupo de 7 pessoas encapuzadas em seus mantos negros chegaram a clareira onde era realizado os sabás.

Antes que o grupo acendesse a fogueira naquela clareira sombria e dançassem em prazer com os espíritos, as bruxas realizaram uma reverência aos espiritos do lugar e estes a reverenciaram de volta com um grande espetáculo de aves negras voando em círculos sobre suas cabeças e diversos insetos rodearam o espaço indicando que ali eram bem-vindas.

Na floresta escutava-se cascos e pequenos olhos poderiam ser vistos da clareira.  São os amigos das bruxas, espíritos de mortos, de animais, demônios e criaturas da noite. Percebendo a presença desses seres,  o bardo do Coven começou a tocar em seu tambor vários cânticos de invocação, com gritos, berros e palavras em outras línguas e assim envolveram-se em uma dança espiral em volta da fogueira. Quando todos entraram em transe, eles começaram a invocar aquela... A rainha de todos os espíritos, a mulher infernal vermelha, a mulher sangrenta, mãe de todas as bruxas e criaturas noturnas. A espiral foi ficando cada vez mais rápida, com o nome dela sendo gritado: Lilith! Lilitu! Lili! E a cada vez mais que esse transe se intensificava, mais as bruxas gritavam e gemiam, soltando sons estranhos e cacofonicos: Lilith! Lilitu! Lili!

A Loucura se instalou: de repente o ambiente estava cheio de formas, como que magnetizados pela força do vortex maligno. A fogueira queimando alto, quase queimando todos em volta dela, o céu escurecendo mais intensamente. O que eram 7 bruxas, agora parecia 13 e depois parecia 20 e depois parecia 50, até que havia tentas bruxas na espiral que não se podia mais contar. 

O vórtex começou a se alevantar e não se distinguia mais os corpos: todos viraram uma massa acinzentada que subia ao céu. No centro começou a erradiar uma lua vermelha. Estava acontecendo: elas trouxeram a presença diabólica para a Terra, instalando caos e confusão onde quer que fossem depois daquilo. 

Em menos de um segundo todas estavam no chão deitadas em silêncio, como se tivessem desmaiado. Permaneceram assim em torno de 15 minutos. Não se pode dizer o que se procedeu nesse espaço de tempo, o que elas viram ou se estavam presentes em seus corpos inconscientes. 

Aos poucos, as primeiras bruxas foram abrindo os olhos e imediatamente se puseram de pé, com aparente embriaguez. Com rapidez, foram à mesa de banquete e cortaram várias frutas, montando uma grande cesta de presentes para a força que invocaram. Levaram até perto do rio, em silêncio, e lá deixaram. 

Ninguém pode dizer o que se seguiu após isso, as bruxas começaram a se movimentar mais rápido que o normal e não se sabia quantas pessoas havia ali mais. Borrões de criaturas corriam, dançavam e se deitavam, vários juntos, indiscriminadamente.

Ao amanhecer não havia rastro nenhum naquele local. Nem da fogueira, nem de marca de patas, nem círculo de fadas, nem frutas de presente. Só havia uma coisa, destoante do espaço, gritante e assustador: um grande rachado no chão, com uma fina fenda, esfumaçando fumaça quente. 

 








domingo, 12 de junho de 2022

junho 12, 2022 - No comments

Filme "Her" e as Possibilidades do Amor




 Eu não sabia que a experiência desse filme era tão profunda. Sempre subestimei por conta da sinopse "um homem que se apaixona pela voz de um sistema operacional." Mas na verdade esse filme retrata o momento de transição entre a superação de um término e o início de um novo relacionamento, agora com uma inteligência virtual que, na realidade do filme, já possui mais características humanas do que as vozes dos sistemas operacionais que temos hoje. É preciso entender que o filme é futurista nesse ponto para poder quebrar o preconceito de que ele está se relacionando com um Siri ou uma Cortana da vida. De alguma forma, a Samantha (nome do Sistema Operacional), tem sentimentos, ambições, intuição e percepção aguçada, além de ela aprender com o tempo e ter autoconsciência da sua existência. 

A questão é: esse relacionamento é real, com todas as problemáticas de um relacionamento real, porém existem problemáticas específicas de um relacionamento entre homem e máquina, como: a falta de um corpo, não suprir as necessidades humanas dele e a aceitação das pessoas próximas. 

Eu passei esse filme por muito tempo, eu o evitava. Mas agora percebo que perdi tempo na minha vida me recusando a assisti-lo. Ele traz questões muito interessantes sobre os nossos sentimentos e a progressão deles dentro de um relacionamento. A forma como ele se sentiu quebrado em vários aspectos por conta do seu relacionamento passado e como isso foi sendo reconstruído pelo novo relacionamento é interesse e, quando este chegou ao final, é perceptível como ela deixou uma marca na vida dele e que esse amor FOI REAL. Foi tão real que quebrou os limites físicos e ele conseguiu amar aquilo que em essência, é etéreo. Conseguiu amá-la mesmo ela vivendo suas questões de Sistema Operacional, quando ela aceitou que não precisva ser uma pessoa com um corpo e passou a se amar assim, sendo uma voz e um sistema. 

Isso me faz refletir sobre as relações de nossos tempos. A dificuldade da maioria das relações é quando nos damos conta das diferenças do outro e precisamos articular essas diferenças que constituem a própria essência do relacionamento. Seja cedendo ou entrando em acordos, a forma de lidar com o que é o outro é o que vai garantir se aquele relacionamento vai prosperar ou não. 

Uma das cenas mais marcantes desse filme é quando a Samantha consegue encontrar uma pessoa que topou ser o corpo dela pra suprir o fato de ela não ter um para satisfazer o Theodore (Joaquin Phoenix) e isso é estranho pra ele, porque em nenhum momento ele demonstrou frustração em relação a isso, ela que deduziu que se não tivesse um corpo o relacionamento não daria certo.

E no momento que ela aceita quem ela é, e ele aceita que aquele relacionamento é real, é quando as coisas dão certo. 


Eu compartilho de um pensamento que o Theodore tem quando está andando pela rua com a Samantha no bolso: quando ele olha para as pessoas na rua, ele imagina como elas se apaixonam e como já tiveram seus corações partidos. Às vezes eu passo na rua e penso "todas as pessoas tendem a conhecer o amor", seja se a pessoa é diferente, excêntrica, bonita, feia, gorda, alta, anã, deficiente, de qualquer jeito, ela provavelmente já amou, já conheceu alguém, já se apaixonou por alguém. O campo da afetividade é um lugar comum, é por isso que existem múltiplas formas de amor. 

Um dia desses eu assisti um programa sobre o amor no espectro autista. Já vi o amor entre pessoas com sindrome de down. E hoje em dia, o que mais se fala é sobre amor entre diversos gêneros e orientações sexuais. 

O mundo está sempre mudando e hoje conhecemos mais formas de amar do que antes, pois as pessoas adaptaram suas diferenças dentro do espaço do amar.

Então esse filme não fala sobre um cara carente que se apaixona por uma voz que te da atenção, esse filme fala sobre as múltiplas formas do amor sendo aplicadas num contexto em que a tecnologia está avançada e que por conta dessas mudanças, são criadas novas possibilidades do amor se expressar. Por isso esse filme é lindo, profundo e inspirador. Eu me senti abraçada.

terça-feira, 7 de junho de 2022

junho 07, 2022 - No comments

SOBRE CONTROLE: É REALMENTE PATÉTICO TENTAR SEGURAR O VOLANTE?


 


Você olha a sua volta e a vida está cheia de situações difíceis que você gostaria de não estar vivendo. As pessoas que você gosta não ligam mais pra você. Os amigos que você conhecia se revelaram outras pessoas. As pessoas nas ruas estão ríspidas, vomitando suas merdas que estivaram escondidas por anos e que agora encontram liberdade de se expressar. As coisas estão acontecendo independente de você e de fato, o mundo nem sabe que você existe. Você está numa casa que não é sua, sem poder sair e vive com medo da morte ao mesmo tempo que gostaria de estar vivendo o que pode ser os seus últimos dias. 

As coisas não estão no nosso controle, é verdade. E se tivesse, o mundo estaria uma bosta, porque justamente pelo fato de acharmos que não temos controle de nada que jogamos tudo para o ar e deixamos que outro alguém cuide desses detalhes. Quando você pensa diariamente que o controle é uma ilusão e todos os filmes ou matérias na internet estão tentando te provar isso, você não consegue entender o que é ser responsável. Nossa sociedade acredita ter um pai sol e dizem que ele cuida da gente, apesar de muitas pessoas não entenderem como esse tal pai tão bondoso pode deixar tanta desgraça aconteça. O pai é o provedor, o administrador, o que bate o martelo, o que vai cuidar das decisões da casa, e estão todos querendo deixar o controle na mão desse pai “porque o controle é uma ilusão”. E embora esse pai seja espiritual, o Deus, o cargo dele na nossa sociedade pode ser assumido por qualquer um que chegar lá. E esse cara vai ser cultuado justamente por ser a imagem semelhança de Deus. Ele é quem dita como vai ser a porra toda e mesmo que ele não esteja tomando as decisões certas, ele mexe com uma parte da consciência das pessoas que nunca tiveram o aval para libertar seus monstros a tanto tempo reprimidos. Então não temos realmente o controle de algo?

O argumento que sustenta a discussão do controle é de que caímos nessa tal ilusão por achar que todos os aparelhos eletrônicos e a facilidade do mundo moderno responde imediatamente aos nossos comandos. Temos o mundo a nossa mão e ele faz tudo por nós através de uma tela. Eu mando um comando e o externo responde. Mas depois caímos no achismo de que podemos controlar os outros. Mas vocês estão confundindo tudo. Porque não sabem diferenciar humano de máquina, o real do placebo.

Isso nos torna extremamente imediatistas, mimados e confusos. A tecnologia criou uma geração de pessoas frouxas, que acham que estão fazendo algo de verdadeiro pro mundo simplesmente postando ou compartilhando na internet. De fato, no mundo que a maioria das pessoas escolheram viver, o controle é uma ilusão. 

Mas na vida real, enquanto acham que não se pode controlar nada, estamos tomando ações inconscientes e confusas, moldando toda a realidade para o futuro, achando que nada depende realmente de nós ou que somos individuos e que sozinhos não podemos fazer nada demais. As escolhas que tomamos todos os dias decidem tudo que vai acontecer. Embora não se dê para ter controle das circunstâncias, é inteiramente possível dirigir nossas escolhas para um determinado fim, e perfeitamente possível colocar nossas necessidades sob nosso poder sem reprimi-las, mas expressando-as de maneira equilibrada. Perdemos o controle porque somos patéticos em achar que podemos ser deus, perdemos o controle porque não reconhecemos que nossos sentidos são limitados, que na verdade sabemos muito pouco sobre a maioria das coisas. Controle não é um fim, controle é o meio - autocontrole, a arte de dominar a si mesmo sem se reprimir. Perdemos o controle porque nos agredimos e nos proibibimos de conhecer nossos piores demônios. 

Perdemos o controle porque não nos entendemos.

Podemos segurar o volante da nossa consciência, mas nem sempre podemos segurar o volante das situações. Você seria capaz de ter uma comunicação tão boa com o fluxo do universo ao ponto de respeitar quando se deve interferir e quando não se deve fazer nada? Ou vai continuar achando que é Deus? Ou até pior... continuaria se sentindo infinitamente diminuído deixando tudo acontecer sem fazer o mínimo de esforço para evitar ou incentivar ?